Três mães do Distrito Federal cobram explicações da polícia de Goiás sobre a morte dos filhos, em um suposto confronto com policiais militares ocorrido em março deste ano. Mateus Rennan Gomes Barreiro, de 16 anos, Lucas Rodrigues dos Santos, de 17 anos, Riquelme Lucas Cardoso Rocha, de 18 anos, e o motorista Vanilson Andrade de Siqueira, de 43 anos, foram mortos com 39 tiros disparados pela Rondas Ostensivas Táticas Metropolitana (Rotam).
“Tiro no peito [do] meu filho foram dois. Os outros foram [mortos com] dois, e o motorista [com] três tiros no peito. Isso foi uma execução”, diz uma das mães.
O caso ocorreu no bairro São Mateus, na Cidade Ocidental (GO), a 44 km de Brasília, em 7 de março passado. Duas horas antes de morrer, Lucas mandou mensagens de texto e de áudio, para um amigo, avisando que os policiais estavam levando o grupo para “o mato” para “dar taca” [gíria para bater] (leia mais abaixo).
Duas horas antes de morrer, jovem do DF mandou mensagem para amigo sobre ação policial
Segundo o Registro de Atendimento Integrado (RAI), os policiais contaram que “faziam patrulhamento da área quando visualizaram o veículo onde o grupo estava”. Eles disseram que “ao se aproximar para realizar a abordagem, após emitir sinais sonoros e luminosos, os ocupantes ignoraram e aceleraram o veículo”.
Os militares contaram que fizeram o “acompanhamento por alguns quilômetros”. No registro de ocorrência, eles disseram que, “com a aproximação da viatura, o grupo entrou em uma estrada de terra”.
O motorista teria perdido o controle do carro e batido em um barranco, quando “os ocupantes desceram e entraram na mata”. Os policiais relataram que pediram reforço policial, mas que foram recebidos por disparos de armas de fogo e revidaram, atingindo dois dos suspeitos.
Eles disseram que quando outra equipe policial chegou para dar apoio, os militares também teriam sido recebidos a tiros e, por isso, atiraram novamente, baleando mais duas pessoas.
As mães de Mateus, Lucas e Riquelme questionam a alegação dos policiais militares, no boletim de ocorrência, de que “houve confronto” e de que eles “revidaram a injusta agressão”.
Matheus, Lucas, Riquelme e Vanilson foram levados pelos próprios policiais para as Upas da Cidade Ocidental e de Valparaíso de Goiás. Segundo a Polícia Civil, na Guia de Atendimento de Emergência (GAE) consta que eles já chegaram mortos.
Mas, alguns detalhes chamaram atenção dos investigadores.
Jovem de 17 anos mandou mensagens e áudio duas horas antes de morrer — Foto: Reprodução
Eram 20h39 de 7 de março, quando Lucas mandou mensagem de texto para um amigo, dizendo que tinha apanhado de uma equipe policial. Confira diálogo abaixo.
– “Altas tacas levamos aqui do GPT”, disse Lucas. GPT significa Grupo de Patrulhamento Tático da PM de Goiás.
– O amigo diz: “Meu Deus. A polícia pegou vocês aí?”
– “Moço, levamo (sic) uma taca cabulosa”, diz Lucas.
As 22h09, Lucas manda outra mensagem:
– “Os GPT pegou nós (sic). Tá levando.”
O amigo, então, pergunta se Lucas está indo preso. Em mensagem de áudio, sussurrando, Lucas pede para o amigo não mandar mais mensagens.
“Não manda mais mensagem, não manda mais mensagem. Só tenta avisar o povo”, sussura Lucas em mensagem de áudio.
Em seguida, o amigo questiona novamente: “Pra onde tão levando vocês?”. As 22h15, Lucas responde:
– “Pos (SIC) mato. Taca!”
O laudo de exame cadavérico de Mateus, confirma que a morte dos adolescentes ocorreu duas horas depois da última mensagem enviada por Lucas.
“Pelo áudio que eu entendi, parece que ele conseguiu esconder o celular e falar bem baixinho. Se você ver, o áudio está bem baixinho pedindo pra pedir ajuda pra alguém”, diz a mãe de Lucas.
Ela prefere não se identificar, mas conta que Lucas e os demais colegas, com exceção do motorista, estavam na casa dos avós e, que mais cedo, neste mesmo dia, policiais militares invadiram a propriedade, agiram com violência e fizeram ameaças.
“Colocaram todos os três com a mão na parede e mandaram os meninos, tipo… bateram nos meninos na barriga. Diz que bateram na barriga, na cabeça. E minha mãe disse que estava dentro da casa no momento do acontecimento. E as polícias falando pra minha mãe ficar sentada e quieta”, afirma a mãe do adolescente.
“Ele comentou, falou assim: ‘O policial falou que ia me matar’. Por quê? Depois, falou o tempo todo que ele ia matar: ‘Você vai morrer, você vai morrer'”, conta a mãe de Lucas.
Na lista dos materiais apresentados pela PM na delegacia da Cidade Ocidental, estão quatro armas, oito peças de maconha, dois coletes a prova de bala, além do veículo onde os quatro mortos estavam. Segundo o boletim de ocorrência, não consta a entrega de nenhum celular.
A Polícia Civil da Cidade Ocidental confirmou, por nota, que “não foram apresentados pelos policiais militares que participaram do suposto confronto nenhum aparelho de telefone celular para que fosse apreendido”.
A perícia feita no local do suposto confronto constatou que houve “significativa alteração do cenário, em razão das pessoas baleadas terem sido levadas ao hospital”. As armas, as drogas e os coletes balísticos ,que supostamente estavam com os quatro suspeitos, foram recolhidos pela equipe policial e apresentados na delegacia.
O laudo destaca que o carro onde os jovens e o motorista estavam “foi vistoriado por uma segunda equipe policial, o que impossibilitou a busca por vestígios biológicos”. A perícia também “não localizou nenhum outro vestígio, como estojos deflagrados, ou seja, munições ou cápsulas no chão”.
“O quadro insatisfatório do isolamento prejudicou a perícia, com a inidoneidade dos vestígios, e comprometeu a exata determinação da causa do fato e o completo estudo do episódio”, diz o perito que assinou o laudo.
Ao final, o perito diz que a cena do suposto confronto foi alterada.
O laudo das armas entregues na delegacia pelos policiais, que supostamente pertenceriam aos adolescentes, mostra que uma delas tinha a sigla da Polícia Militar do DF gravada na lateral. Várias munições não deflagradas foram apreendidas.
A redação não conseguiu falar com a família do motorista Vanilson Andrade de Siqueira. Mas as mães dos três adolescentes cobram rigor nas investigações.
“Eles falam que estão investigando, mas aí eu questionei sobre o exame de pólvora. Porque, como teve troca de tiros, a obrigação deles é fazer o exame de pólvora em todos os cadáveres. Não fizeram porque disse que o estado de Goiás tem uma lei que agora era um exame não conclusivo”, diz a mãe de Mateus.
A Polícia Civil de Goiás confirmou que o exame não foi feito. “Segundo orientação do Instituto de Criminalística de Goiânia, através do Memorando Circular, não são realizados no Estado de Goiás esse tipo de exame, ao menos até que seja adquirida metodologia dotada de maior precisão e exatidão que a existente atualmente”, disse a corporação.
O motorista morto trabalhou com carros de aplicativos até março de 2020. Em julho do ano passado, ele chegou a ser preso por tráfico de drogas.
Segundo as mães de Mateus, Lucas e Riquelme, os adolescentes também tinham passagens pela polícia por roubo e tráfico de drogas.
“Não tô aqui pra dizer que meu filho era santo. Meu filho já tinha passagem, mas isso não justifica eles ‘tirar’ a vida de um ser humano como eles tirou (sic). Se fez qualquer coisa, que seja preso, mas não matar”, diz a mãe de Mateus.
As mães dizem que “querem respostas” porque não é o primeiro caso de morte de adolescentes por policiais militares no Entorno do DF. Para elas, “infelizmente, também não vai ser o último”.
“O que fizeram com o meu filho, e com tantas outras mães, que sofrem a dor de perder um filho como eu tô sofrendo, que era o meu único filho. A gente quer Justiça”, diz a mãe de Mateus.
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